Domingo sempre teve cheiro de liberdade.
Era o dia em que os compromissos se rendiam ao chamado da terra, do vento e do céu. Eu, Frank Barroso — geógrafo, cicloativista, jornalista e, sobretudo, amante da natureza — vestia minha armadura laranja e preta, ajustava o capacete e partia. O destino? As trilhas vermelhas, as veredas verdes e, por fim, o mirante majestoso do Rio Araguari.
Naquelas manhãs, o corpo ganhava outro sentido. Cada pedalada, cada gota de suor era um ritual de conexão com a vida. Pedalar com a turma era mais do que exercício físico: era pacto, era irmandade. Havia risos soltos, silêncios respeitados e uma cumplicidade de quem escolheu, juntos, acordar cedo para desafiar ladeiras e buscar o topo.

O mirante… Ah, o mirante.
Ali, onde o rio se derrama como espelho do céu, eu sentia que meu corpo tinha asas. Chegar lá exigia preparo: físico, mental e espiritual. As subidas testavam nossa força, mas também revelavam nossa fé — fé em nós mesmos. Alimentar-se bem, dormir direito, cuidar do corpo era parte da liturgia. Porque estar no alto do Araguari não era apenas paisagem, era celebração. A plenitude tomava conta, a brisa tocava o rosto como bênção, e o coração, este velho companheiro, batia em sintonia com o mundo.
Era nesse momento que o suor ganhava outro significado. Não era esforço; era libertação. Cada gota era como uma purificação, limpando a alma das pressões da cidade, das tristezas acumuladas, das dores escondidas. O rosto molhado não era cansaço, era alegria transbordando. E, nos olhos de cada amigo de trilha, uma centelha de luz, um reflexo da felicidade.
Lembro das araras. Sempre imaginei que aquele voo azul cortando o céu era a metáfora perfeita para o que sentíamos ali. Voávamos também — não com asas, mas com vontade. As aves, com suas penas vivas e olhos atentos, eram irmãs nossas no fascínio pela paisagem. Muitas vezes, parávamos as bicicletas apenas para observar, em silêncio, sua dança no ar.
Em uma dessas paradas, fizemos um pacto silencioso: que jamais deixaríamos de buscar aqueles momentos. Porque havia, naquela ladeira vermelha, algo mais do que terra: havia esperança.
O tempo passou. A vida, com sua delicadeza e brutalidade, me tirou da trilha. Um acidente rompeu os planos, interrompeu a rotina e me colocou de frente para a fragilidade do corpo. Mas não apagou a chama.
Hoje, ao ver as fotos — a cachoeira desabando em vida, a turma sorrindo no alto do mirante, o verde abraçando o azul do céu e do rio — meu coração volta a pedalar. Lento, sereno, mas firme.
Porque, mesmo sem a lama nas pernas, continuo ciclista.
Mesmo sem as trilhas sob os pneus, continuo viajante.
Mesmo sem as longas subidas, continuo buscando o topo.
A natureza que um dia acolheu meu suor, agora acolhe minha memória. E é nela que sigo vivendo, como um pássaro que, mesmo ferido, sabe que seu lugar ainda é no céu.
—
Frank Barroso, com o corpo em pausa, mas a alma em movimento.
Max elevation: 946 m
Total climbing: 703 m
Total descent: -675 m
Total time: 05:07:42